sábado, 23 de janeiro de 2010

De Cabo Verde a Inglaterra

Nunca soube o que queria ser quando fosse grande. Sabia que queria mimar as pessoas e dar-lhes colo. A minha média no fim do 12º não chegava para nenhuma Escola de Enfermagem no público. Entrei em Enfermagem em 2003 sem saber muito bem porquê. Ainda hoje não sei. No fim de 2006 uma amiga perguntou-me se queria ingressar uma missão humanitária com uma ONG portuguesa - AMI em Cabo Verde. Fui e foi uma grande experiência na minha vida. 500 Histórias para contar num outro dia. Regressei a Lisboa e comecei a trabalhar no Instituto Português do Sangue e depois mudei para uma Unidade de Cirurgia em Peniche. O voluntariado, as missões, África, raças, ideias e projectos sempre no coração. Escolas de inglês para melhorar a língua e, tudo por um sonho: London School of Hygiene and Tropical Medicine. Um médico que muito admiro como pessoa e profissional deu-me a conhecer e sugeriu-me. A ideia do Mestrado em Saúde Pública manteve-se e decidi deixar tudo e procurar trabalho em Inglaterra. Depois de entrevistas, de projectos falhados pelo meio, aqui estou eu, não na escola, mas pelo menos em Inglaterra! E como enfermeira, novamente em cirurgia!
Cheguei no dia 3 de Setembro de 2009, perto de Londres aqui me encontro desde então. A primeira noite chorei sem dó nem piedade e em muitas outras que se seguiram. O cheiro, a côr, a língua, os hábitos, a multiracialidade, o tempo e as pessoas todas diferentes e tantas vezes indiferentes deixaram-me de rastos! De casas brancas com riscas amarelas ou azuis a cor de rosas bem coloridas passei a ver tijolos encarnados e escuros, de sol e mar pela frente, parques inteiros e carregados. Mas os jardins são lindos e os esquilos animam-me as caminhadas!
De cada vez que vou a casa e regresso é um pesadelo, uma incerteza, um querer ficar e não voltar, mas depois passa. Inicialmente não falem comigo, não digam que gostam de mim e que ao fim de dois dias já têm saudades minhas porque eu choro e choro e choro:) E então? Não seria eu se fosse de outra forma. É uma realidade.
Quando o mundo treme, quando todas as capas de jornais noticiam não sei quantos mortos e feridos, quando mais 50 novos casos de cancro aparecem, quando só o AVC mata 2 portugueses por hora, os acidentes rodoviários matam 88 pessoas em Agosto, eu pergunto-me porque vim, porque estou aqui, porque decidi sair de Portugal e daquilo que é tão meu, onde pertenço e onde faço falta.
Pergunto-me o que perco. Serei egoista por deixar a minha avó a chorar de cada vez que venho embora? Serei estúpida por perder aquela abraço forte do meu avô quando me relembra todos os países por onde andou e viajou e que em tudo contribuiram para quem é hoje? Talvez...
Perco as gargalhadas com a minha mana que em tempos os nossos pais tinham de separar à hora da refeição; perco as histórias quentinhas de "a mãe é minha" e "eles comem tudo" quando vamos às empadas a Alfazeirão e terminamos "embuxadas" com mais uma fatia de pão de ló; perco as arrelias com os gatos da tia no meu jardim que tantos motivos de galhofa nos dão às horas de jantar; perco os almoços com monte velho que fazem a madrinha ir trabalhar toda corada! Perco as conversas e passeios com as amigas especiais que tudo sabem sobre nós e que fazem parte de mim; perco os cafés com amiga na praça de táxis. Perco os olhares que me comprometem quando o vejo e que ainda me provoca "butterflies in my stomach".Perco os risos e malandrices da minha afilhada, do mano e daquela avó deles que tanto gosto!! E a quelas idas a Azeitão com lanches, galhofa e karaoke! E ainda aqueles pudins plofte que só a Bi sabe fazer. Perco o abraço daquele homem que me protege, que eu preocupo e me preocupa, que eu admiro, que me é exemplo, que me é único, a quem eu devo, a quem eu faço chorar e me faz ganhar o sorriso sempre que o vejo, aquele que eu amo acima de tudo, o meu Pai. Mas também ganho. Ganho saudades e forças que me tornam mais forte, fidelidades e sentimentos que são só meus, ganho o alívio de saber onde pertenço e a quem pertenço, elimino o medo de me sentir só e de me perder porque sei onde se abrem as portas para quando quiser voltar. Ganho a certeza de quem me ama, porque me ama e como me ama. E isso? Vale tudo nesta vida e nesta experiência. "Your existence gives me hope".

7 comentários:

  1. Adorei meu amor. Ganhas imensas coisas que levarás contigo quando regressares àquilo que consideras perdido! (Nada é perdido quando está a tua espera).

    Ass. a colega de casa favorita:) (de momento)
    Flávia

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  2. Mary, sempre soubeste como pôr o pessoal todo a chorar, hem... Beijinhos muito grandes e força, muita muita força! Patrícia Luzia

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  3. Depois de ler e me emocionar com tudo isto, só tenho uma coisa para te dizer: your existence gives ME hope!

    A minha mãe está aqui ao meu lado toda chorona também... Já viste o que provocas a essas milhas todas de distância? ;)
    Abraço enorme, minha powerful Maryland.

    Veruska

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  4. As palavras que escreves são sempre tão poucas para os sentimentos e emoções que provocam??!! É só uma questão de hábito e muitas horas no irc.

    Um grande beijinho

    Kainoa

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  5. Adorei!
    Exprimes tão bem as palavras e custa-te tanto perceber qual será a tua missão neste Mundo! AMAR é de certeza...continua a escrever e o tua felicidade irá surgindo naturalmente, como nas pequenas coisas que descreves com tanto amor!

    Adoro-te Grace

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  6. estando tão longe continuas tão perto"nos nossos corações".a tua colega auxiliar de peniche continua a orgulhar-se muito de ti...muita força bjs luisa franco

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  7. Alô querida. Esta é a Ana, aquela que te azocrinava o juízo nos primórdios do nosso trabalho naquele bem dito serviço de cirúrgia. Lembras-te dos temores que referes ter sentido com os meus comentários às tuas passagens de turno?
    Quem me dera essa altura em que eu ainda estava um pouco empenhada...
    És excepcional e eu adoro-te como pessoa e como colega. Faz-me o favor de ser feliz e de atingires os teus objectivos, ok?
    Muitos xis corações

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