terça-feira, 27 de abril de 2010

Mais uma cartinha para ti


"Nos primeiros anos pensei muitas vezes se te tinhas esquecido de mim aqui?
Por muitos anos questionei e imaginei-me assim, à porta, do lado de fora, sem permissão para entrar. Entrar nesse sítio onde provavelmente te encontras agora, de há uns anos a esta parte ou até, nada disso.
Há pessoas que dizem que nos primeiros tempos, depois de se irem embora fisicamente, ainda por cá ficam ao nosso lado e, só desaparecem por completo quando têm a certeza de que vamos ficar bem, seguros e encaminhados sem vocês.
É assim? Ficaste só por uns tempos? Ou ainda por aqui estás?
Se eu percorrer o mundo, tu continuas a percorrer ao meu lado?
Ou simplesmente já nem aqui estás... estás?
Ficar do lado de cá da porta tem custado muito. A maior parte dos dias chove desde que te foste. São raros os dias em que faz sol. Verdadeiro sol. Mas esses dias estão a começar a ser mais frequentes e, são na verdade muito bem aproveitados. Frescos, saudáveis e felizes.
Mas foi difícil percorrer a rua e deixar-te ir. Seguirmos mundos diferentes no verdadeiro sentido da palavra. Vivermos sem nos ver.
Só pensava em bonecas quando adoeceste, sabia lá o que era essa coisa de tratamentos, mudança de cor, perda de cabelo, vómitos e dor. E tantas dores que tiveste e eu nem sabia bem o que fazer. Odiava levar-te leite branco quente porque não gostava do cheiro e das natas. Mas tu adoravas. Lembro-me disso. Adoravas 1/4 de Vigor frio, aquelas garrafinhas pequenas de vidro que pouco se veêm nos cafés agora.
Conheci-te pouco. Tinha tantas perguntas que gostava de ter sabido a tua resposta. A tua cor favorita era amarelo e azul escuro acho eu. Adoravas comer um bom prato de lagosta e vinho Muralhas a acompanhar. Eras educadora de infância e tinhas umas batas muito giras aos quadrados verdes e vermelhos.
Usavas sempre saias ou no verão saia-calção. Sapatos de pano quando começava a primavera, tinhas de várias cor.
Malas quase sempre castanhas e pequenas. Cabelo curto com caracóis de cabeleireiro e óculos de sol grandes. Não fumavas. Usavas apenas argolas como brincos e uma pulseira de ouro tipo trança. Muitas sardas e rímel de vez em quando. Bem morena ficavas um espanto! E esse sorriso branco rasgado que delícia. Ensinaste-o bem à mana!
Como vez, faço um esforço para me lembrar disto muitas vezes. O pouco que me lembro e sei quero conservar para sempre mas às vezes é difícil porque com os anos vou me esquecendo de muitas coisas. E por isso revejo os filmes para me lembrar da tua voz e cheiro os teus perfumes que ainda lá estão na prateleira para me lembrar do teu cheiro.
Tenho saudades tuas todos os dias. 
Esta coisa de ter crescido sem ti provoca-me estas angústias e saudades. Depois passa. São só desabafos.

1 comentário:

  1. Quem me dera ter mais filmes para melhor recordar, o som da voz, que vamos esquecendo com o passar dos anos, a forma de se movimentar... Tanta coisa que se vai perdendo com o passar dos dias. As saudades, essas, são a minha companhia já há mais de 8 anos. Cresci com ele, é verdade, tive essa felicidade. É bom recordar!
    Beijo grande

    ResponderEliminar