sábado, 19 de junho de 2010

Some days

"Did Portugal win?".

Foi só isto que pronunciou baixinho, com a ligeireza de quem dá um suspiro levezinho. Pálida, olhar perdido, aquela expressão sem linhas. Inchada. Sem pêlos. Sem sombras, olheiras portanto. E esforçou-se muito para me fazer a pergunta. Sentei-me ao lado, na cama e respondi:

"No. But tonight England will do. Your sister will came to see the game with you". (18-06-2010)

Inglaterra ficou na mesma. Empatado. Assim está ela e aquela doença. Empatadas. Nem para frente nem para trás. Lá está, enrolada na cama, bebendo água e entupindo-se de medicação.
E eu entro, artilhada com avental e luvas e máscara só para a proteger do mal que lhe posso transmitir. Mais mal do que aquele que ela já tem. E não posso ficar muito tempo, três dedos de conversa, dar a medicação, fazer-lhe a cama de lavado, convencê-la de que os valores estão a subir e que vai sair dali como da última vez, inventar um novo cardápio para o almoço que lhe possa passar da boca ao estõmago sem a ferir ou fazer sofrer mais ainda pois tudo são chagas.
Como será que ela se sente, deitada numa cama a ver me entrar tipo extra terrestre azul?? E ela estranha porque eu lhe toco, porque a abraço, porque até já choro com ela.
Venho para casa e penso nela. Hoje não fui trabalhar mas é ela que me preenche o pensamento.

Só posso ter escolhido a profissão errada ou tenho de sair urgentemente do ambiente hospitalar!
E não tenho o direito de me desculpar com o que já vivi ou assisti no passado. Já não serve, já não chega.  Puxa a revolta que há em mim, enrola-se no estômago e, fico com um nó na garganta, fica tudo seco e a arder. Apetece-me dar murros nas paredes, bater com a mão na mesa e gritar para dizer chega. Para dizer não dá mais, não pode aparecer mais.
Tem sido todas as semanas. Novos casos e mais novos casos e ainda mais casos. Chegam de manhã, fazem a biópsia, guardam a esperança 1h30m e BOOM! Bad news for you.
Queria fechar os olhos e transformar o cancro numa doença crónica como uma diabetes ou uma artrite.

Até posso comparar, dou por mim a reviver por minutos. Não queria. Não quero que as pessoas passem por tudo aquilo. Mas que raio de lição há para aprender? Que treta de conversa é essa?
Uma pessoa abre o jornal e só lê que este matou aquele, que o outro maltratou não sei quem...
Caramba, os deuses de todas as religiões que me perdoem mas que mal tão grande estas pessoas teram cometido?
Revolto-me e não estou de facto a ajudar quem luta.


For You

Mil perdões.
Dava tudo para impedir.
Espero por milagres porque eles acontecem que eu sei.

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