quinta-feira, 15 de julho de 2010

Mais uma que é tua.

Vou-te contar o que nunca me lembrei durante todos estes anos. Hoje, durante aqueles breves minutos a vida recuo-me nas mãos, nos pés, pela estrada fora sem parar. Quis correr bem fundo e rápido mas não a apanhei mesmo indo tão devagarinho. Haviam forças poderosas de atrito e nunca consegui alcançar.
Durante estes anos perdeu-se na memória aquele dia mas, hoje ao ver a minha doente afastar-se do Hospital na ambulância assim tão devagar, tudo me assaltou de repente. É impressionante a capacidade do ser humano em apagar tudo o que nos faz sofrer. Podemos demorar anos mas acabamos por apaziguar essa dor e evitar de todo esses maus pensamentos. Contudo, hoje relembrei cada segundo.
Eles entraram pela garagem, abrindo o portão verde, dirigiram-se à porta de madeira que a Nely fez questão de destruir e, encaminharam-se ao teu quarto. Agarram-te ao colo e sentaram-te na cadeira de rodas. Deitaram-te na maca lá fora e entraste deitada na ambulância. Ao fecharem a porta dei-te um beijo tão rápido como o tempo que passou. Ao ver-te partir, a MB agarrou-me o braço à esquerda e chorou que nem uma madalena dizendo que já não voltavas. Pergunto-me como soube ela tal fado?? Nunca diria mas foi o mais puro e duro dos juramentos, jurando verdade. Não voltaste.
Hoje, quando vi a minha doente de manhã fiquei sem chão. Já a achava parecida a ti. A mesma peruca, a mesma pele sardenta, o mesmo olhar divertido e sorridente. Tenho a seguido desde Janeiro. Mas hoje, trazia um turbante na cabeça, tal e qual aquele verde que usavas em casa. Pouco falou comigo, muito sonolenta e ausente. Administrei-lhe duas unidades de sangue. Rezei a cada minuto que entrei no quarto pedindo aos anjos e santos que lhe dessem força para recuperar mais uma etapa. No fim, acordou dizendo - "quero ir para casa, já posso?".
Mordi os lábios. Vi-te a ti, completa, serena a sorrir. Quis abraçá-la com toda a força pensando em ti, mesmo sabendo o egoísmo da minha parte. O marido estava desorientado, não sabia o que fazer. Senti a dor do meu pai atingir-me que nem flechas em alta velocidade.
Percorri todas as listas de telefone, impedi a recepcionista de sair, telefonei ao médico, verifiquei 10 vezes os sinais vitais, confirmei com ela se era a sua vontade e, com todas as minhas forças soube que esta noite ela iria dormir na sua cama, em casa. Depois de dez nãos por parte de empresas de transporte de doentes, lá arranjamos uma com muito esforço, confirmamos o pagamento na seguradora e a minha doente saiu do quarto na maca com dois socorristas. O marido não lhe largou a mão.
O meu turno acabou, agarrei na minha mala e fui com ela até à porta. Vi a ambulância partir devagarinho. Tão devagarinho como a tua e, desta vez sei que ela também não volta. Percorri a estrada a correr atrás dela, desorientei-me por momentos. Até que desisti e deixei-a partir...
 Devia ter insistido e corrido mais atrás de ti.
Nunca mais te vi desde esse domingo...
Quarta feira já não cheguei a ir ao Hospital, já não fui a tempo. E assim ficou a nossa história mal contada e mal resolvida.


Amar-te-ei para sempre*

1 comentário:

  1. oh mana, sempre que parece que não há maneira de descrever tamanha dor, encontro conforto nas tuas palavras porque de alguma forma preenchem esta não concordância com o que conteceu que tantas e tantas vezes sinto... obrigada de todo o meu coração:)

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