terça-feira, 1 de outubro de 2013

Carta ao Exmo. Sr Presidente da República

Exmo. Sr Presidente da República,

Sabe onde me encontro neste momento?

Sentada no lugar 5A do voo Tap com destino a Londres. 
Quer saber de uma outra coisa interessante? 
Já perdi a conta das vezes que me sentei nestes aviões.
Dizem que estou emigrada. 
Dizem.
 Eu, passados 4 anos, feitos este mesmo mês, quero acreditar que não. Que estou só de passagem. Quero acreditar que vim para Londres em busca da Pós graduação e que vou voltar" ontem"!
Quando ainda andava no liceu, era um luxo ir para uma cidade europeia estudar. Achava eu que era de meninos bem!
Não sendo essa menina bem, sempre ansiei pela minha Medina tropical numa faculdade inglesa! E assim aconteceu. Com um ligeiro problemazinho... Não me avisaram que quando a pós graduação acabasse eu não poderia voltar ao serviço que deixei em 2009! Fechou. Também não me avisaram que os enfermeiros iam ficar a receber menos do que uma senhora mestre de limpezas, das quais não tenho o que dizer (não me interprete mal) pois o facto de não serem graduadas não faz delas um ser menos admirável! Também não me avisaram da eliminação das horas extraordinárias nem de que se fosse fazer um turno da noite numa ceia de Natal seria paga da mesma forma que numa manhã de uma semana normal!
Olhe uma coisa, eu nunca quis ser rica Senhor Presidente, mas ao contrário de si, não posso abdicar de ordenados ou reformas. Eu e muitos portugueses, temos contas a pagar. Queremos viajar e conhecer o mundo em lazer. Queremos construir família no local onde somos felizes! Queremos que os nossos avós nos vejam frequentemente. Queremos estar nos aniversários dos amigos, queremos ver os nossos pais envelhecer, queremos ver as amigas grávidas e os filhos crescer! Queremos estar no sofá enrolados no colo dos nossos manos.
Sabe onde sou feliz? 
No seu país! Desculpe, reformulo a frase, no nosso país!
E agora poderia dizer me assim, "Maria, mas pode voltar, ainda pedem enfermeiros em certos lugares". 
Pois pedem Senhor Presidente! Mas sabe o que é trabalhar com um contracto mensal e ter de tirar dois dias de férias em cada mês sem saber se no mês seguinte somos requisitados?
Não não sabe. E eu já trabalhei assim, portanto eu sei!
Sabia que em 2008 trabalhei em 3 sítios diferentes para tirar 1250 ao fim do mês? Olhe, eu e o meu pai ( com quem vivia na altura) parecíamos o guarda nocturno e a mulher a dias! Era raro sentar-me com ele no sofá! Cheguei a ter mochila no carro e tomar banho no hospital antes de sair para a clinica, voltar para fazer turno da noite e as 9 da manhã já estava numa farmácia regional a dar injecções!! Nunca cometi um erro mas sei que não poderia continuar naquele ritmo! 
Ninguém me apontou uma arma para sair do país! Era uma trabalhadora esforçada e sempre soube que de início enquanto jovem teria de me aplicar! Sair foi a minha opção mas o facto de não poder regressar não passa por ser escolha... É como se fosse obrigação! E agora já penso em regressar mas não como enfermeira. Estou disposta a trabalhar numa outra área porque não acredito que me realize enquanto enfermeira no seu país! Desculpe, no nosso país! 
Mas sabe o que me respondem os meus amigos que com dificuldades vão insistindo em viver em Portugal? "Está difícil em todas as áreas Maria!".
Pois é Senhor Presidente, não sei o que fazer.
Hoje, quando o avião se passeava pelas pistas da Portela e as minhas lágrimas saltavam descontroladas dos meus olhos, Lisboa chamava por mim! E digo-lhe, como esta linda esta Lisboa! Quando o avião ganhou velocidade antes de levantar... Aquela velocidade que nos cola as costas do banco, eu por momentos pensei em gritar "espere aí espere aí espere aí Senhor Comandante!! Desta vez eu não vou! Eu não vou! Eu não vou! Eu não quero ir!! Eu não devia ter de ir!!!" 
E chorei voltada para a janela com medo que o passageiro do lado me achasse louca.
Pois é Senhor Presidente. Aposto que nunca chorou num avião, que disparate o meu não é verdade? Aposto  que nunca sonhou com o nosso Cristo Rei com um sinal proibido na mão enquanto o avião entrava em Lisboa!

Um dia volto ao seu país, ao nosso! Olhe, na verdade, um dia volto ao MEU país! Porque se fosse seu e de todos os políticos que mandam e nos que já mandaram, eu não teria muito mais esperança e preserverança na espera. Mas porque o país é meu e dos meus amigos, eu sei que vamos apostar no turismo, nos produtos portugueses e nas nossas capacidades de gestão. Até lá, vou contribuindo para outros cofres de estado, um estado que me rouba mas ainda não tanto como o seu e que pelo menos me estima enquanto profissional de saúde.

Um dia volto e recomeço porque acredito em Portugal e numa mudança digna de dar e cuidar do que é nosso!

Com lamento,

Maria Oliveira






6 comentários:

  1. É tão triste... Pessoalmente, não quero voltar (ainda...) mas sinto que, tal como tu, se quisesse não teria essa opção e isso é frustrante!
    Um grande beijinho e muita força :-) xxx

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  2. Minha querida Mary, pus este teu texto na íntegra no meu blog, com link pro teu, por isso prepara-te pras visitas ;) mas achei-o tão perfeito que acho que devia ser uma carta de todos os enfermeiros do País pro PR e pro PM.
    Eu decidi que pro ano volto. Ainda não sei bem como, nem se consigo o que quero, mas 6 anos é o meu limite e vou voltar. Esta semana vou ter reuniões em Portugal para preparar o regresso, mas levo tampas todos os dias, sabes? Eu só vim por 2, 3 anos, no máximo e já lá vão 5 and counting. E é como tu dizes, se não for na minha profissão, há-de ser noutra. De qq forma eu sou uma grande privilegiada comparativamente contigo e com outros na mesma situação, principalmente pela profissão que exerço.
    Qdo me dizem que não posso ir, finco o pé e digo que não acredito em impossíveis. Eu vou fazer o impossível pra voltar pra perto da minha família, dos meus amigos, do Tejo e da minha vida que amo em Lisboa. E quando tu fizeres o mesmo, eu vou estar lá pra te ajudar e dar-te todas as forças e abraços que conseguir.
    Uma mega beijoca e um xi-coração apertado!
    Sofia

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  3. Bato palmas de pé ao que escreveu!

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  4. Não sei o que é ir, mas sei o que é ficar! Também eu sou uma mãe, das muitas mães que veêm os filhos partir; conheço aquele nó que se nos põe na garganta, enquanto os abraçamos no aeroporto e lhes dizemos que tudo vai correr bem...Sei o que é chegar a casa, entrar no quarto, que era o deles e não acreditar que "aquilo" nos aconteceu,... e imaginar o que se passa dentro naquele coração e naquela cabecinha que viaja naquele avião à procura de uma oportunidade na vida.
    Estou profundamente solidária. Boa sorte!

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  5. Maria, coragem!
    Também estamos por aqui, em Reading UK, desde Maio...
    Tenta aproveitar o que por aqui há de bom...
    Talvez um dia destes possamos voltar, quando o país fôr dos Portugueses e não dos que o (des)governam...

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